quarta-feira, 13 de julho de 2011

Figurinha rara

Figurinha fácil era aquele Campelo. Veio de baixo, começou como todo mundo: indicado por alguém. Esse tal, um dia caiu nas graças do Barbosa e virou levaetrás. Malandro e inteligente, ficou logo bom com os números e foi subindo de posição. Agora disfrutava de uma tranquila gerência numa das repartições da área. Depois de muita calmaria na vida do vagabundo, saiu da linha uma vez... o problema é que as vezes o destino não dá duas oportunidades. Ocorre que o Campelo tinha uma amante: a Gilda. A Gilda era uma puta experiente e virava e mexia tava lá na sala do Campelo. Depois da sexta visita o Campelo resolveu contratar uma nova secretária, e deu um jeito de pagar um salário para Gilda. Com essa ele resolveu o assunto de sustento dela e tinha ela alí a sua disposição. Gilda digitava cartas, revisava textos, tinha reuniões diárias no escritório de Campelo. O problema é que Campelo era homem casado, tinha família e três filhos. E homem de família com amante apaixonada é coisa que não dá certo.
Gilda fazia aniversário no dia 25 de novembro, exatamente um mês antes do natal. O Campelo sempre alegava uma festa de final de ano do escritório para passar a noite com Gilda. A pobre não tinha família e ele sempre tapava esse "buraco". Não ter família era o trauma de Gilda. Expulsa de casa por uma gravidez prematura, perdeu seu filho para a família do pai da criança, que a ajudou até o momento do parto e a expulsou também. Campelo sabia disso, e respeitava.
Amanda era a mulher de Campelo, e sempre le cozinhava o almoço. Todos os dias depois do almoço amarrava sua gravata, lhe vestia o paletó e trazia a maleta. Religiosamente. Era uma perfeita dona de casa.
Um dia notou que a maleta estava mais pesada. Abriu o fecho e viu uma caixa com um nome: Gilda. Depois de uma pequena discussão, Campelo conseguiu convencer a sua mulher de que Gilda era seu amigo invisível, e relembrou a ela a presente data, 25 de novembro. O jantar de final de ano da empresa, tolinha. Campelo saiu apressado, um pouco assustado com a situação. Só notou a falta do seu paletó (coisa que sempre levava, gostava do status de sentir-se de paletó) quando estava no carro. Seguiu mesmo assim.
Chegando lá, voltou a ser o Campelo da repartição. Começaram a reunião sem demoras, e Gilda pulou em cima de Campelo. Gilda adorava sua vida, não necessitava nada mais. Tinha beleza, um emprego, e um amor, era satisfeita com isso.
Amanda entrou sem bater, desconfiou das luzes apagadas e seguiu entrando pela repartição. Ao se aproximar, escutou ruídos e risadas estranhas, para um amigo invisível. Quando entrou na sala de Campelo o marido estava fechando as calças...
O Campelo, sempre foi jeitoso, homem de lábia, escorregadio como peixe vivo... O canalha, que foi pego com boca na botija, começou a escorraçar Gilda. Falou de assédio sexual, chamou de carreirista. Era uma absurdo que ele um pai de família fosse atacado dessa maneira, expulsou quase a pontapés a pobre Gilda de sua sala.
Amanda conhecia seu marido, sabia da verdade, mas preferia não brigar para te-lo ao seu lado. Agora com tudo as claras poderiam começar de novo. Naquela noite não dormiram no mesmo quarto. Campelo pela primeira vez aceitarou dormir na sala.
Gilda foi para um bar, bebeu, bebeu, bebeu. Voltou ao escritório (ainda tinha as chaves) pegou a arma que Campelo tinha na sua mesa, e foi caminhando até a casa de Campelo. Em seu tempo de puta tinha aprendido a abrir fechaduras (hotéis baratos te dão essa experiência). Por sorte a porta não estava trancada. Foi adentrando a casa e qual não foi a surpresa ao ver Campelo ali deitado, dormindo no sofá da sala. Sentou-se na cadeira e escreveu um bilhete. Aproximou-se lentamente de Campelo e, com uma almofada na frente do revolver, o matou com um tiro na cabeça. Um tiro silenciado matara ao figura mais notório (e notável) daquela rua. No dia seguinte, ao descer para preparar-lhe o café, Amanda encontra Campelo morto. Em cima do cadáver o bilhete do que Gilda escrevera na noite passada. Amanda abre o bilhete e lê: ele era tudo o que eu tinha, a culpa é sua.